O artista da floresta Hélio Melo

Sociologia do trabalho do Seringueiro

Helio Melo resgata o conhecimento do homem da floresta baseado em depoimentos de seringueiros e na sua própria vivência, e de maneira didática, pois, além de explicar as funções dos instrumentos do seringueiro, procura detalhar o trabalho desse trabalhador extrativista.

O artista, que teve como poética o ambiente amazônico a partir de sua vivência, teve três fases distintas. A primeira fase trata de um inventário da vida do seringueiro e seu modo de vida na floresta. Nesta fase de sua produção artística que compreende o início de sua atividade como artista em 1978 até 1984 Seo Hélio através de seus desenhos faz uma sociologia do Trabalho. A floresta com toda sua grandiosidade aufere dignidade ao trabalhador florestal e neste espaço da mata representado por Seo Hélio, o ambiente é tranquilo, acolhedor, paradisíaco. Esta maneira de representação cria um paradoxo, embora seu trabalho seja penoso, o seringueiro encontra na floresta a razão de viver. Sua pintura é composta por tonalidades de verde, pois para o artista “existe um verde vivo e outras cores que ninguém consegue definir. Enfim, para pintar uma mata do jeito que ela é, sem o sumo das plantas é impossível. ” (MELO,2000, p.144). Na obra de Hélio Melo o sofrimento do seringueiro é suportável, embora a retratação seja de denúncia a forma de representação é singela. O paraíso lhe é tirado quando é obrigado a abandonar o seringal.

Figura 20 - Hélio Melo. Sem título, 1983, pva sobre compensado, 102,5 x 162 cm. Coleção do Governo do Estado do Acre, Rio Branco - AC. Disponível em http://universes-in-universe.org/eng/magazine/articles/2008/helio_melo/photos/02 Acesso em 29 de novembro de 2009.
Figura 21 - Hélio Melo. Estrada de Floresta, 1983, pva sobre compensado, 102 x 197 cm, coleção Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour, cortesia Sociedade Recreativa tentamen, Rio Branco, foto Edouard Fraipont.

A obra acima representa dois aspectos da árvore da borracha: “Vista de frente é a Hevea Brasiliensis, vista em planta é a estrada de seringa (MARCHESE, 2005, P.100). Na sua pesquisa sobre espaço, representação e identidade do seringueiro no Acre, Marchese constata, através da experiência de campo, que o desenho misto é o que melhor representa as relações espaciais que os seringueiros estabelecem com os elementos daquele lugar de vida e trabalho. Na opinião da autora, o artista Hélio Melo é poliédrico e contribuiu substancialmente para criar e elaborar o mito seringueiro. Pode-se observar a casa e o seringueiro desenhados frontalmente, enquanto a árvore da seringueira desempenha um duplo papel: se vista de frente, o seu tronco e seus ramos são a Hevea Brasiliensis, mas os mesmos elementos, vistos em planta, são o espigão4 e as estradas que o seringueiro percorre em giro

Figura 22 - Hélio Melo. O defumador de látex. s/d.
Figura 23 - Hélio Melo. A Casa do Seringueiro, nanquim e extrato de folhas sobre papel cartão, 50 x 47 cm. Coleção Maria de Fátima Melo, Rio Branco-AC.Foto:Rossini Castro.

A casa do seringueiro, que é chamada de tapiri, palhoça ou barraco, fica em uma clareira da mata. Ela é normalmente feita de tronco da paxiúba, uma espécie de palmeira. Em volta fica o terreiro, sempre muito limpo, sem vegetação e com algumas árvores frutíferas.

Na sua coletânea (2000), na seção intitulada História da Amazônia (2000, p. 37), Seo Hélio conta que os esteios da tapiri são de madeira de lei, e as linhas e caibros, de madeira branca de qualquer qualidade. O assoalho é de paxiúba e a cobertura, de palha, de jaci ou de ouricuri.

A visão de mundo florestal do artista Hélio Holanda Melo foi decorrente de sua vivência como seringueiro. O termo “vivência” tem uma conotação filosófica introduzida por Hans-Georg Gadamer (1997, p. 119), em que “algo se transforma em vivência na medida em que não somente foi vivenciado, mas que o seu ser-vivenciado teve uma ênfase especial, que lhe empresta um significado duradouro”. Esse resultado duradouro manifesta-se através da reflexão sobre a experiência, pois é a partir desta que se elabora a vivência. “Somente existem vivências na medida em que nela algo se experimenta ou é intencionado” (GADAMER, 1997, p. 125). Esse seringueiro espoliado, sofrido e miserável tem uma história de resistência. E Seo Hélio foi um dos responsáveis pela propagação do “mito” seringueiro, pois sua obra é um manifesto e, ao mesmo tempo, um inventário do modo de vida tradicional desse trabalhador extrativista.

Esse inventário social revela um estilo de vida que aos poucos vai se acabando. O artista Hélio Melo temia isso. Nas conversas com amigos na cidade de Rio Branco, percebia muita ignorância dos urbanos em relação à vida dos seringais, e isso o motivou a escrever e a desenhar sobre a floresta, revelando seus encantos, seus mistérios, sua fauna, sua flora e seus mitos.

Figura 24 - Hélio Melo. Sem título, 1983, pva sobre compensado, 102,5 x 142,5 cm. Coleção do Governo do Estado do Acre, Rio Branco - AC. Disponível em http://universes-in-universe.org/eng/magazine/articles/2008/helio_melo/photos/06 Acesso em 29 de novembro de 2009.
Figura 25 - Hélio Melo. Sem título, 1998,pva sobre compensado, 73 x 51,5 cm. Coleção Governo do Estado do Acre -Gabinete da Fundação Elias Mansour, Rio Branco -AC. Foto: José Roca.

A produção artística de Hélio Melo foi contextualizada numa época de fortes mudanças de paradigma no manejo da floresta amazônica e sua vocação econômica. O próprio artista sofreu na pele a consequência de uma política de trabalho baseado na exploração e escravização dos seringueiros pelos coronéis seringalistas. E, quando se fala de coronel seringalista, presente tanto no primeiro ciclo da borracha (1877 – 1913) como no segundo ciclo (1942-1945), pensa-se no coronel de patente adquirida com dinheiro. Sabe-se que, naquela época, havia escritórios que vendiam a patente, a espada, o quepe e outras formalidades na cidade de Belém do Pará. O seringalista que tinha muito dinheiro conseguia a patente, embora alguns nem soubessem ler. Depois de consagrado coronel, aproveitava-se da patente e escravizava os seringueiros. Há de diferenciar esses patrões dos donos de seringais que conseguiram comprar suas terras através de muito trabalho e passaram de freguês a proprietário dos seringais. Conhecem-se alguns relatos que dão conta desse feito. Inclusive os antepassados de Hélio Melo conseguiram essa proeza, e o próprio artista teve esta experiência, tanto de trabalhar como freguês, isto é, trabalhar para o dono do seringal, como também de ser patrão. Frederico Morais escreveu no jornal carioca O Globo (1982) sobre essa fase da vida do artista Hélio Melo: No seringal já foi patrão e empregado, sofreu e foi explorado, conhece as técnicas e os processos de fabrico da borracha, conhece os homens e os instrumentos de trabalho, conhece as manhas dos animais e dos homens que habitam ou trabalham na floresta (Morais, 1982: s/n). Em entrevista ao jornal brasiliense), Hélio Melo desabafa: O patrão tem mania de dizer: O seringal é nosso mas é o campo nosso que não é nosso. O seringueiro é mandado embora sem direito. É a justiça do patrão. Por isso minha arte é a vida do seringueiro ( A Tribuna Operária,1983:s/n).

Figura 26 - Hélio Melo. O serrador II, nanquim e extrato de folhas sobre cartão, 55 x 44 cm. Coleção Maria de Fátima de Melo, Rio Branco-AC.